sexta-feira, 24 de maio de 2013

Pobre do verde abacate



Julgo que é cíclico: hoje na moda… amanhã ultrapassado!
Hoje, ser fashion é usar o vermelho morango e o azul uva, amanhã os lilases maracujás e os azuis marinhos do mar de Zanzibar. E quando é que chega a vez do verde abacate tão desprezado?
Nunca entenderei esta coisa das escolhas dos tons para a época primavera-verão ou outono-inverno. Talvez porque seja perversa e anti-apartheid.
Sou democrata e boa cristã sem religações de qualquer tipo: não faço descriminação às cores.
Uso todas as do arco-íris e derivadas, quando me apetece. Porque merecem e pronto! Porque as gosto e desconsigo pensar que o amarelo-papaia não está na lista das cores dos pensadores e fazedores de modas para uma época qualquer.
Impensável seguir modas, a não ser a minha. A que não me faz perder tempo com prisões. De tempo e escolhas.
Lembro-me de que, quando cheguei à Europa vinda de África, habituada a ter o pé junto da terra, fui apanhada pelo inverno. Calcorreei todas as sapatarias de Lisboa e arredores à procura de botas de inverno. Só usava botas confortáveis onde os pés se continuassem a sentir libertos de opressões. Só recebia como resposta: esses botins foram descontinuados…agora só há botas de biqueira e saltos finos. E agora, o que fazer perguntavam os meus dedos delicados? Nem uso, usei ou usarei, saltos mais altos que sabrinas e de biqueira larga…
Fui obrigada a aceitar a política da maioria, o que me deixou sem margem de manobra para contestar. Só em lojas de 2ªmão, diziam-me. Pouco usuais em Portugal.
Foi finalmente em terras romanas, numa feira, que consegui umas botas que duram até hoje, para quando estou em terras onde o inverno me obriga a não deixar os pés respirar. Mas pelo menos estou confortável.
Na minha longínqua infância tinha roupas próprias para vestir aos dias de semana diferentes das domingueiras. Estas últimas envolviam sempre uns vestidos com rendas a preto e branco. Sentia-me sempre uma dama-antiga da classe pobre dos livros da Jane Austen.
Talvez por isso, a partir da adolescência, até aos dias de hoje, opte por usar todas as cores, estampadas em saias compridas, que quando saem de moda, criam-me os mesmos problemas para encontrar, como as botas curtas, de salto baixo.
Talvez, eu seja um caso de estudo para a psicologia, mas só uso o que a minha moda me determinar e de acordo com uma regra: o meu bendito conforto.
De volta a África tenho 2 amigos: o sol e o mar: todas as cores de capulanas para saias e vestidos compridos e chinelos, condizem com as suas cores.
Anabela Ferreira
 

 

sábado, 18 de maio de 2013

O que é a moda, senão aquilo que fazemos dela?

 
O ato de vestir-me todos os dias é um ato de saturação mental. Não consigo compreender como alguém pode ter prazer em passar horas diante de um espelho a experimentar esta ou aquela peça. Isso enerva-me de tal modo que, sem apoio, seria capaz de rasgar tudo o que estivesse a provar.
 
Para mim, o óbvio é olhar para o guarda-roupa e vestir-me pensando apenas no básico: uma boa combinação de cores. Sempre primando pela discrição. O ser discreto é fundamental para não ser alvo de olhares menos bons. Creio que, se desejamos ser “espampanantes” no vestir, devemos fazê-lo no Carnaval. Período do ano em que podemos passar por “pessoas divertidas”. Quer dizer… por favor, não me interpretem mal, afinal, garanto-vos que sou uma pessoa divertida, mas creio que isso só se percebe num jantar, rodeado daqueles que amo e, naturalmente, com um tinto de qualidade a “molhar a goela”.
 
Lembro-me, com uma certa saudade, das calças “boca-de-sino” dos anos setenta no, logo longínquo, século XX. Lembro-me muito bem, aliás. Bem como daquelas camisas com padrões coloridos, réstia de sóis dos hippies dos anos sessenta. Bons tempos. Hoje acho graça. E, fico a matutar, muitas vezes, se ousaria repetir aqueles figurinos.
 
Nos anos oitenta passei a usar um estilo anos cinquenta: calças jeans, t-shirt branca, casaco de couro preto, sapatos “bico-fino”. As garotas adoravam e eu sentia-me o Elvis, o Brando, ou o Dean.
 
Nos noventa, com muito teatro e literatura cabeça dentro, vestia-me como um hippie dos anos sessenta. Ah… Garanto-vos que tomava banho, uma das minhas grandes predileções, ao contrário dos “garotos do Iê-iê-iê”, que tinham “fama de maus”, e o banho era coisa estranha para eles.
 
Entrou a primeira década deste novo século e passei ao estilo: “querida, o que vou vestir?”.
 
Na segunda década, acusam-me de não ter desenvolvido um estilo próprio na vestimenta. Enganam-se, pois “a minha alma” continua com calças jeans, t-shirt branca, casaco de couro preto e sapatos “bico-fino”. Já a casca, bom, essa, coitada, deseja mesmo um calção de banho e o último modelo de uma famosa marca brasileira de chinelos.
 
Aí está o que vou fazer da moda. Ou, não me digam que vivendo numa praia paradisíaca o meu figurino não estará adequado?
 
Rui Calisto

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Um engano

De acordo com o costume Haredi (judaísmo ortodoxo), as roupas são parte da identidade de uma pessoa e faz lembrar quem ela é e a que grupo ela pertence.

Penso nisso quando recordo aquela manhã no Pier 11, quando a Wanda segurou o meu braço e desabafou:

— Cá para nós, eu acho que ele é gay.

— O que te faz pensar isso? — Sorri.

— Ora... tudo. Eu me produzo, me faço bonita e ele mal me olha. Há algo errado com aquele garoto.

— Não creio. Deve ser outra coisa, esteja certa. Ele não é gay.

Ela fez um silencio, olhou o horizonte e voltou a fitar-me.

— Eu sou feia?

—Não és feia, muito pelo contrário!

— Então o que há de errado? Só pode ser ele.

— Bem, tenho que descer. — Apontei para o barco atracado na marina.

—Ah que pena... — Lamentou, para em seguida inclinar-se em minha direção. — Antes que se vá, poderíamos marcar jantarzinho à quatro? Tu e a Aida bem que poderiam criar um clima, uma situação, pensem em algo.  Sei lá... podem parecer fazer um encontro casual.

— Um jantar com dois casais seria algo bem longe do casual, não acha Wanda? — Acabamos rindo juntos.

— Estou perdida!

— Relaxa-te. Pedirei a Aida para pensar em algo.

Ela sorriu, beijou-me os lábios e saiu acenando pelo píer.

Zarpamos e eu continuei a sorrir, vendo a sua silhueta diminuir-se à medida que o barco afastava-se da costa. Fazia uma verificação no equipamento de mergulho quando Jean Pierre se aproxima e senta-se à minha frente.

— A Aida não se sente enciumada com toda essa intimidade que tens com a Wanda?

— Não que eu saiba... Mas tu te sentes incomodado? — Falei sem dirigir-lhe o olhar, manuseando os cilindros de oxigênio.

— Eu? Está louco? — Ele quase gritou.

— Não. Só perguntei.  — Sentei-me finalmente, lançando-lhe um olhar. — Então?

— O que é esse ‘então’?

— Ora, essa pergunta sobre o ciúme da Aida, pareceu-me que tu finalmente admites que gostas da Wanda. O possível ciúme da minha namorada não seria um ciúme de tua parte? A minha amizade com ela de algum modo te importuna?

— Não seja bobo!

— Não estou sendo, meu caro. Só ligo pontos.

— Imagina se algum dia eu poderia me ver ao lado da Wanda.

— E por que não?

— Aaron, tenha fé em Deus! Olhe para aquela mulher... jamais teria olhos para mim! — Eu sorri. Ele continuou falando e a olhar para a costa que já se fazia distante. — Ela veste-se e se porta com uma elegância incomum, tem mesmo um ar majestoso...  E eu? — Perguntou me olhando seriamente.

— Bem, não espere que eu te carregue de elogios...

— Bah! Meu amigo eu sou isso. Uso surfwear, quando não estou de sungas. Meu ambiente é a praia, pés na areia, cabelos ao vento.  — Ele sentou-se ao meu lado, para iniciar uma verificação visual do equipamento de mergulho. — Mas nem em sonho alguém com tanta classe me observaria. Certamente ao me ver, deve pensar de imediato que sou de alguma tribo.

— Bobagem, Jean Pierre.

— Com aquela pose? Duvido!

— Com uma atitude dessas, realmente tornas tudo impossível. Mude o pensamento ou de atitude... Mude as roupas, se achar importante. — Fiz uma breve pausa.  — De toda maneira, não creio que ela dê importância a isso.

— A mim?

Não contive o riso.

— Para quem não se vê ao lado da Wanda, parece-me por de mais preocupado...

— Não ria de mim.

— Não estou a rir de ti... embora essa recusa me pareça engraçada. Admita que gosta dela e deixe tudo acontecer.

— Não é tão simples.

— Óbvio que o é. Tente!

— Não estou disposto.

— Tudo bem, a vida segue.

Passamos quinze dias no mar e não tocamos no assunto. Ao descer em terra e falar com a Aida, liguei para a Wanda e marquei um jantar no meu apartamento. Prometi-lhe uma surpresa.  Dois dias depois sentávamos em nossa sala de jantar, para um jantar à quatro. Eu, a Aida, a Wanda e o meu amigo Max. Sete dias depois, retorno à marina e reencontro o Jean Pierre, que outra vez retomou os suspiros e suas conversas de diferenças de estilo, impossibilidades e indisposições.

A Wanda... bem, seis meses se passaram e eis que ela convida a mim e a Aida para a inauguração de sua loja de surfwear, um empreendimento em sociedade com o Max, que vencera o campeonato regional de windsurf.
Aaron Schain