quarta-feira, 1 de maio de 2013

Um engano

De acordo com o costume Haredi (judaísmo ortodoxo), as roupas são parte da identidade de uma pessoa e faz lembrar quem ela é e a que grupo ela pertence.

Penso nisso quando recordo aquela manhã no Pier 11, quando a Wanda segurou o meu braço e desabafou:

— Cá para nós, eu acho que ele é gay.

— O que te faz pensar isso? — Sorri.

— Ora... tudo. Eu me produzo, me faço bonita e ele mal me olha. Há algo errado com aquele garoto.

— Não creio. Deve ser outra coisa, esteja certa. Ele não é gay.

Ela fez um silencio, olhou o horizonte e voltou a fitar-me.

— Eu sou feia?

—Não és feia, muito pelo contrário!

— Então o que há de errado? Só pode ser ele.

— Bem, tenho que descer. — Apontei para o barco atracado na marina.

—Ah que pena... — Lamentou, para em seguida inclinar-se em minha direção. — Antes que se vá, poderíamos marcar jantarzinho à quatro? Tu e a Aida bem que poderiam criar um clima, uma situação, pensem em algo.  Sei lá... podem parecer fazer um encontro casual.

— Um jantar com dois casais seria algo bem longe do casual, não acha Wanda? — Acabamos rindo juntos.

— Estou perdida!

— Relaxa-te. Pedirei a Aida para pensar em algo.

Ela sorriu, beijou-me os lábios e saiu acenando pelo píer.

Zarpamos e eu continuei a sorrir, vendo a sua silhueta diminuir-se à medida que o barco afastava-se da costa. Fazia uma verificação no equipamento de mergulho quando Jean Pierre se aproxima e senta-se à minha frente.

— A Aida não se sente enciumada com toda essa intimidade que tens com a Wanda?

— Não que eu saiba... Mas tu te sentes incomodado? — Falei sem dirigir-lhe o olhar, manuseando os cilindros de oxigênio.

— Eu? Está louco? — Ele quase gritou.

— Não. Só perguntei.  — Sentei-me finalmente, lançando-lhe um olhar. — Então?

— O que é esse ‘então’?

— Ora, essa pergunta sobre o ciúme da Aida, pareceu-me que tu finalmente admites que gostas da Wanda. O possível ciúme da minha namorada não seria um ciúme de tua parte? A minha amizade com ela de algum modo te importuna?

— Não seja bobo!

— Não estou sendo, meu caro. Só ligo pontos.

— Imagina se algum dia eu poderia me ver ao lado da Wanda.

— E por que não?

— Aaron, tenha fé em Deus! Olhe para aquela mulher... jamais teria olhos para mim! — Eu sorri. Ele continuou falando e a olhar para a costa que já se fazia distante. — Ela veste-se e se porta com uma elegância incomum, tem mesmo um ar majestoso...  E eu? — Perguntou me olhando seriamente.

— Bem, não espere que eu te carregue de elogios...

— Bah! Meu amigo eu sou isso. Uso surfwear, quando não estou de sungas. Meu ambiente é a praia, pés na areia, cabelos ao vento.  — Ele sentou-se ao meu lado, para iniciar uma verificação visual do equipamento de mergulho. — Mas nem em sonho alguém com tanta classe me observaria. Certamente ao me ver, deve pensar de imediato que sou de alguma tribo.

— Bobagem, Jean Pierre.

— Com aquela pose? Duvido!

— Com uma atitude dessas, realmente tornas tudo impossível. Mude o pensamento ou de atitude... Mude as roupas, se achar importante. — Fiz uma breve pausa.  — De toda maneira, não creio que ela dê importância a isso.

— A mim?

Não contive o riso.

— Para quem não se vê ao lado da Wanda, parece-me por de mais preocupado...

— Não ria de mim.

— Não estou a rir de ti... embora essa recusa me pareça engraçada. Admita que gosta dela e deixe tudo acontecer.

— Não é tão simples.

— Óbvio que o é. Tente!

— Não estou disposto.

— Tudo bem, a vida segue.

Passamos quinze dias no mar e não tocamos no assunto. Ao descer em terra e falar com a Aida, liguei para a Wanda e marquei um jantar no meu apartamento. Prometi-lhe uma surpresa.  Dois dias depois sentávamos em nossa sala de jantar, para um jantar à quatro. Eu, a Aida, a Wanda e o meu amigo Max. Sete dias depois, retorno à marina e reencontro o Jean Pierre, que outra vez retomou os suspiros e suas conversas de diferenças de estilo, impossibilidades e indisposições.

A Wanda... bem, seis meses se passaram e eis que ela convida a mim e a Aida para a inauguração de sua loja de surfwear, um empreendimento em sociedade com o Max, que vencera o campeonato regional de windsurf.
Aaron Schain

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